Letter written by Luiz Amorim to Damazio Nazareth some time in 2002, after he had visited Newark, N.J. twice in 2000 and once in the Summer of 2001, only 4 weeks before 9-11.
... onde a maioria das lojas são de Brasileiros; cabeleireiros, despachantes, agentes de viagem, etc. Em frente desse “mall” você encontra dezenas de “matutos” brazucas batendo-papo, falando sobre o Atlético ou Cruzeiro, como trabalhar em construção, como conseguir um Social Security fajuto [custa entre 50 e 60 dolares], etc.
Se você ainda tem seu SS, preserve-o, pois atualmente é dificílimo se conseguir um “quente”. Fajutos tem por toda parte. Eles inventam um numero e imprimem um cartão em PC’s caseiros e os Empregadores aceitam. Bancos não aceitam, portanto fica difícil ou quase impossível abrir conta bancária, o que leva a fatos bizarros, como o que passo a relatar: fui ser interprete de um Brazuca em Plymouth-MA e notei que ele andava com a carteira “recheada” de notas de 50 e 100 dólares. Perguntei para ele o porque e ele disse que não tinha conta em banco e não confiava deixar o dinheiro em casa. Ele era um “banco ambulante”.
O próprio Social Security Department aceita as contribuições enviadas pelo empregador em nome desses cartões “fajutos”. Uma vez por ano o Departamento manda uma cartinha avisando o contribuinte que averigue se o numero está correto, mas não mandam o dinheiro de volta. Ou seja, todo mundo finge que não sabe de nada e assim a “América” continua numa boa, todos fazendo dinheiro e ninguém “asking questions”!
Tirar carteira de motorista (Driver’s license) sem o verdadeiro Social Security card também é impossível (ou quase). Green card fajuto também é fácil de se conseguir. Eu paguei US$ 170 pelo meu, mas acabei usando-o apenas uma vez. Eu usei o meu Social Security antigo e até tirei uma Carta de Motorista provisória no Commonwealth of Massachusetts, o nome oficial do Estado de Massachusetts.
Ter um Social Security card verdadeiro é símbolo de “status” entre Brazucas. Mesmo que você tenha perdido o “papel”, mas se lembra do número, o SS vale. Foi uma mão-na-roda para mim. Eu tentei tirar uma segunda-via do meu SS mas não consegui, pois lá no Federal Building da Broad Street (lembra onde ficava a temida “Imigração?) a funcionária insistiu em ver meu Green Card; eu tinha levado meu passaporte Australiano para caso de necessidade de me identificar. Como ela insistiu muito, eu acabei mostrando meu passaporte. Ela conferiu o tipo de visto que eu tinha, e disse que não era visto adequado para se trabalhar. Note que eu já tinha meu SS card. Só queria uma segunda-via, com o mesmo número, pois mudaram o “lay-out” do mesmo. Mas diante de tanta dificuldade resolvi não insistir mais, disse ‘Thank you’, e fui saindo de fininho.
Entrar em qualquer “Federal building” depois que explodiram aquele edifício em Oklahoma City em 1996, é uma verdadeira “operação de guerra”. Tem que se passar por detectores-de-metal; as vezes ser “searched by policemen” etc. E isso tudo, antes do que os Yankees chamam de 9/11 - 11September 2001. Imagine agora como deve estar a paranóia.
É interessante também notar que justamente neste Verão de 2000, eu estive no World Trade Center junto com o Carlos Oliveira, um brazuca da nossa idade, que fiz amizade. Ele estava precisando de uma licença para importar “bugigangas” do Brasil para abrir uma “loja brasileira” em Newark. Nós nos dirigimos as Torre Gêmeas pois a repartição que expede licenças-de-importação é o New York-New Jersey Port Authority, que era a dona do WTC (prédio e “grounds”). Havia muitas autarquias de New Jersey nas torres.
Eu bati algumas fotos de Newark e gostaria de lhe mostrar quando tivermos uma chance de nos encontrar. Na verdade se você fosse amanhã para lá, eu acho que v. não acharia muita diferença na cidade. Isso é uma característica de países mais desenvolvidos; eles mantém uma certa “mesmice”, que não existe aqui no Brasil, por exemplo. Logicamente não existe mais a “Tia” na 112 Ferry Street.
O Pathmark mudou-se de detrás da Wilson Avenue para Ferry Street, depois que Ferry ‘vira’ em direção à New Jersey Turnpike. Derrubaram dois quarteirões de casas ali, construindo um imenso Pathmark em uma espécie de ‘plaza’ em frente ao mercado, onde há uma agência do Post Office, laundry, etc.
Mas de resto, continua quase que tudo igual. O trem PATH (Port Authority Trans-Hudson, você sabia?) ainda é o mesmo; com trens, que acredito, sejam os mesmos que nós tomávamos para irmos à New York University todo sábado para fazer aquele curso de Inglês, lembra? Aqueles trens tem mais de 20 anos. Lógicamente que o PATH não vai mais para downtown Manhattan, pois a estação WTC não existe mais por obra e graça de Allah. Mas ele ainda vai para midtown-Manhattan (33rd Street), parando primeiro em Harrison, Jersey City (Journal Square), Hoboken (onde nasceu o Frank Sinatra), Christopher Street (no Village), 14th, 23rd, 28th e finalmente 33rd Street.
Eu achei muito interessante a Imprensa Brasileira lá, pois há bastante publicações. São dois jornais somente em Newark. Há outro em Flamingham, em Massachusetts, e outros que nem sei onde estão baseados. São jornais tabloides semanais em sua maioria. São distribuídos gratuitamente regularmente em “lojas Brasileiras”, que acabam sendo centros de encontros de Brasileiros. Mas você pode encontra-los em salões de beleza, agências-de-viagem, mercadinhos, bares, etc. Muita gente, se não lê, pelo menos vê as fotos desses jornais.
O nível intelectual dos Brazucas em geral, eu achei bem pior do que no nosso tempo. Lógicamente existem os caras mais estudados; vi até uns Gaúchos na Public Library de Newark usando a Internet; mas a grande maioria é de gente semi-analfabeta, que vem de todos os lugares do Brasil. Agora há muitos Paranaenses por lá e é gozado, pois muitas vezes você pensa que o sujeito é Americano, pois é loiro de olhos azuis, e o cara abre a boca e fala: “Eu ponhei a carta no correio!” Não é atôa que o Ratinho é ídolo deles! Isso eu nunca poderia escrever para o jornal, mas posso escrever para você!
Eu acho que o ‘nosso tempo’ (1971-1972-1973) era melhor! Pode ser? Acho que pode! Naquele tempo os Brazucas não falavam o Inglês, mas comparando com os dias de hoje, a coisa piorou, pois fulano tem a Globo Cabo em casa e não assiste TV norte-americana de maneira alguma. Agora há VCR e as famílias, quando não estão assistindo a Globo, podem ver sermões de “pastor evangélico” local ou programas vindo do Brasil. Há uma proliferação de igrejas evangélicas; mais ou menos que acompanhando o que está acontecendo aqui no Brasil. Se naquele tempo os Brazucas já dificilmente aprendiam Inglês, agora é praticamente impossível.
Naquele tempo a WABC reinava, lembra-se? Agora não é mais assim. Não sei qual radio faz sucesso, mas até o Top 40 foi pulverizado. Na verdade eu achei um site super incrível da antiga WABC Music Radio na Internet, e por lá eu fiquei sabendo o que aconteceu com as “Top 40’s radio stations”. O mercado se “segmentalisou”; ou seja, rappers ouvem radio rap; Latinos ouvem Latino stations; teeny boppers ouvem suas radios, etc. Então as coisas mudaram bastante por lá. Antes era mais eclético; WABC e as outras tocavam de tudo. Os Brazucas, coitados, ficam totalmente alienados; muito mais do que no “nosso tempo”.
Newark atual (2002), as vezes, me pareceu como se fosse um bairro de “classe media baixa” do Brasil, só que rapazes “cruising” a Ferry Street passam de “carro importado”, com seus stereos “blasting” Chitãozinho & Chororó ou algum grupo de Pagode; até Racionais MC’s eu ouvi nas ruas de Newark. Isso quando algum desses conjuntos de pagode ou dupla sertaneja não estão se apresentando “ao vivo” em algum clube ou estádio por lá. Você sabe que o dinheiro corre solto nos U.S. Lá você vê a “cor do dinheiro”... você vê “verdinhas” aos montes... e o pessoal gasta mesmo; trazem Chitãozinho, Daniel, Zé Camargo & Luciano... you name it and they will pay the right price. Bem diferente do ‘nosso tempo’, quando escutávamos John Lennon, Badfinger, Al Green, Roberta Flack, Chicago e até conjuntos hispanos de salsa.
Do pouco tempo que fiquei por lá tive a chance de testemunhar que o problema de drogas ainda é o mesmo daquele tempo, se não for pior, pois agora há muita Heroína por lá. No Inverno de 2000 eu morei num ‘cellar’ (porão) que não passava de um “cortiço” que me lembrou muito o “outro” cortiço que eu morei no Inverno de 1972. Houve uma briga de faca entre um Capixaba e um Lisboeta. Me disseram que a questão era de droga (heroína). Há muita gente que trabalha a semana inteira para jogar seu salário todinho na mão de “heroin dealers”. Disgusting! Mas acho que isso faz parte da “Immigrant angst”, que nós já conhecemos.
I went down “Memory Lane”, como se diz! Andei por aquelas ruas que levavam à antiga Fabrica de Discos da Francis Street. A fábrica não existe mais, mas o edifício está lá quase que idêntico. Me deu até um arrepio na espinha de olhar aquela rua. Parecia até que lá no fundo estavam “cozinhando” pasta de vynil, que depois viriam até nossas mesinhas metálicas aquecidas, para nós, os cortadores, cortarmos e fazermos nossos 45 rpm’s. Até ouvi a voz daquele Puertorriqueño Mike dizendo: “Como le gusta? Le gusta gorda y larga?”. Aquela senhora Negra (Anna, segundo você) que “fazia” cinzeiros de plástico (night shift), cujo marido a vinha buscar de manhã com um Lincoln Continental.
Lembra daquele casal de Puertoriqueños que fazia “long-playings”? Eu só fazia compactos! Quem fazia lps ganhava mais? Acho que sim, pois nós, que fazíamos compactos éramos “discriminados”. A mulher Puertoriqueña usava umas tranças longas. Lembra-se dela? Você se lembra daquelas duas Peruanas; uma chamada Maria e a outra parecia um rapazinho. Diziam que elas eram “caso”!
Por falar em Peruanos, me lembro que havia um deles que era Japonês e era muito boa gente. Não me lembro do nome dele, mas acho que era Alejandro...me lembro que sempre cantarolava “Something” (só cantava a parte do “I don’t know, I don’t know”), “Where do I begin?” (“Love story Love Theme” com o Andy Williams) e gostava do cantor italiana Nicola di Bari. Ele dizia que o Sergio Murilo (lembra-se de “Marcianita”?) fazia grande sucesso no Peru.
Na carta que enviei ao “Brazilian Voice” eu cito o Dentinho, apelido de um rapaz que ele se chamava Luiz, meu xará. Eu era conhecido como Carlos na fábrica. Carlitos para os Hispanos. Acho que v. não chegou a conhecê-lo, pois Dentinho fazia o “night shift” também; ele entregava pasta e era um carinha muito divertido; tinha uma barbinha e bigode e era bem novinho; aliás, como a maioria de nós, não teria mais de 21 anos. Ele dividia o 1o andar de uma casa com o Alfredo e o G. (não tenho certeza desse nome), um rapaz bem aparentado de olhos verdes, que tinha um Mustang e parecia ser o líder da ‘household’. Os três eram de Franco da Rocha e moravam nesse 'flat' de casa alugada na Wilson Avenue, perto da igreja Saint Stephen (que atualmente se tornou praticamente “brasileira”, pois os cultos de domingos são com uma Pastora Brasileira.
Certo começo de noite de um sábado, em novembro, enquanto eu voltava da Penn Station pela Ferry Street, eu batí porta deles e fiquei lá com eles conversando...Eu tinha comprado 2 ou 3 LPs na ‘Two Guys’, loja de departamentos lá na Broad Street. Um dos discos era a ‘sound-track’ do filme ‘West Side Story’, e os rapazes acharam ‘estranho’ eu gostar daquele tipo de musica, principalmente depois de ouvirem ‘Tonight’ com a Marnie Nixon cantando com sotáque de porto-riquenha. Deram risadas, e eu não gostei muito da reação. O outro LP era 'For little ones', do Donovan onde ele canta só musicas folclóricas de Scotland... com aquele sotáque carregado deles.
No domingo à tarde que o “Dentinho” foi preso na Pulaski Skyway, ele tinha passado em casa (eu morava em cima do go-go bar já mencionado) e saímos para dar um “rolê” no carro dele. Depois de girarmos meio sem destino por algum tempo, ele me deixou em casa. Era uma tarde fria de Outono, justamente quando nós imigrantes mais sentíamos falta do Brasil. Antes de subir para meu quarto eu ainda fiquei um pouco com o Dentinho, que colocou uma ‘quarter’ no juke-box do bar semi-deserto e escutou “Long ago tomorrow”, do B.J. Thomas. Era sua música favorita então. Foi a ultima vez que eu o vi. Minutos depois, ele voltou a dirigir na Pulaski, foi parado por estar em alta velocidade; os “cops” quiseram ver seus documentos; ele levou os policiais até sua casa; lá viram o passaporte com visto vencido, e alem do Dentinho, os outros dois amigos também “dançaram”. Foi muito triste pois todos eles eram caras “legais”, apesar de serem juridicamente “ilegais”. Foi o maior buchicho na Synthetic Plastics Co. na segunda-feira, pois além do Dentinho, o Alfredo também trabalhava lá, no período da tarde. Eles foram deportados para o Brasil no final do ano de 1971.
Pelo que eu me lembro você chegou aos U.S. no último trimestre de 1971, certo? Você saberia a razão do porque ter tanta gente de Franco da Rocha? Por que Guarulhos também?
Por falar na fabrica de discos, você chegou a conhecer um Português que trabalhava no Escritório da companhia que era muito friendly com Brasileiros? O nome dele era Arthur. Na verdade ele era gay [enrustido] e estava sempre “on the prowl” na comunidade Brasiliana. Não sei se você notou, mas havia muito mais homens que mulheres naquela época, o que facilitava o homossexualismo. Atualmente é bem diferente; logicamente ainda existe homossexualismo, mas a presença de mulheres brasileiras é muito grande (esse assunto também não daria para escrever no jornal).
This is the end of the letter I sent Damazio sometime in 2002. The next text is another letter I wrote Damazio...but I'm not sure about the date:
Não consegui me estabelecer em San Francisco, pois ainda tinha muita dificuldade em falar Inglês para poder me virar sosinho e procurar emprego como ‘waiter’ ou ‘buss-boy’. Não vi outra alternativa a não ser voltar para a East Coast, junto com dois americanos que vieram dirigindo um VW em sete dias. Quando eles me deixaram em Newark, Ferry Street, perto da Tia, no inicio do Verão de 1972 sem um tostão bolso - not a penny to my name - você foi a primeira pessoa que eu me dirigi para ajudar-me.
Você me ajudou bastante naquela época. Até gostaria de agradecer depois de 30 anos. Me lembro que estava doido para trabalhar em “qualquer lugar”, mas cheguei justo na época que as fábricas estavam entrando em férias coletivas. Então tive que ficar zanzando algumas semanas até que as fabricas começassem a trabalhar novamente. Não tinha lugar para dormir e nem dinheiro para refeições. Meu Pai (God rest his soul) ainda me mandou US$ 300 dólares para “bail me over”. Mas antes do dinheiro chegar eu passei bem apertado. Dormia cada dia na casa de um.
É incrível pensar que atualmente Newark se desindustrializou totalmente. Não existe mais fábricas naquela região. A brasileirada trabalha em construção civil, as mulheres são faxineiras, etc. Indústria não existe mais.
O Kuwenderson Walck, aquele bahiano intelectual que vivia no Sing Sing, também me ajudou bastante. Só que ele era muito de “moralizar”, enfatizando o que eu havia feito de errado. Eu sabia o que eu tinha feito de errado, não precisava de ninguém para me dizer. Em Setembro (it’s late September and I really should be back at school...) finlalmente eu voltei a trabalhar fabrica de discos – Hallelluya! Foi tão bom me sentir “são & salvo” novamente. Na fabrica eu sentia que “I belonged”, ao passo que em San Francisco, devido a meu parco conhecimento de Inglês, eu me senti “arrasado”. Eu “melhorei” bastante meu Inglês depois que voltei ao Brasil e fui “ensinar Inglês” (em terra de cego, quem tem olho é Rei) no Fisk.
Daquele pessoal do “Sing Sing” eu me lembro de vários, mas não consigo lembrar os nomes deles. Não consigo lembrar-me do nome do “Cri Cri”. Você se lembra? Ele era de Franco da Rocha, certo? Me lembro de um brasileiro lá do Sing Sing que já tinha mais de 30 anos (que para nós era “velho”), também de Franco da Rocha, era meio “gordinho”, tinha cabelos grisalhos e parecia que tinha um pouco mais de cultura que a média. Me lembro que ele dizia que queria “lançar” um negócio de “beringela a là Italiana” para americano e ia ficar rico. Você provavelmente o conhecia também. Se ficou rico ninguém sabe.
Por que será que o “Cuíca” tinha esse apelido? Teria tocado esse instrumento alguma vez? A mulher Amazonense dele chamava-se Antonieta, mas gostava que a chamassem de “Toni”. Ela já vivia há muito tempo nos US e entendia bastante o Inglês; o radio de seu carro estava sempre na WABC e ela cantarolava quase todos os Top 40s da época; “Don’t expect me to be your friend”, o follow up de “I want you to want me”, do Lobo me lembra a Toni. Morei com eles numa casa que alugaram na Ferry Street lá perto da Ballentine.
Tinha o irmão Divino também, que era um careca fortão. Ele vivia reclamando da vida; dava até vergonha! Muito infeliz! Ele entregava “pasta” na fabrica de discos também. Acho que foi através do Divino que eu fui morar com o irmão Cuíca e cunhada. Tinha outro irmão deles, o Tarcíso, que trabalhava nas “montanhas” (no Kutcher’s em Monticello, NY). Ele era casado com uma mulher que falava muito alto chamada Geralda... eu tinha até medo dela. O Tarciso tinha uma cara de “sono” e a mulher era um verdadeiro “demônio”...ela estava sempre grávida e trabalhava de “chamber maid” no Kutchers. Eu acabei conhecendo-os melhor quando eu também fui trabalhar nas “montanhas” em 1975, e o Cuíca ou Toni me deram carona no carro deles. Eu fui com mala e cuia pois sabia que ia trabalhar de dishwasher lá no Kutcher's também. Geralda foi falando de Newark até Monticello, no Sullivan County...me parece que tinha uma criança também.
Por falar em gente “estranha”, a mãe da Antonieta tinha um casal de gêmeos bem novinhos (pre-elementary school), que falavam Inglês perfeito. Eu me encantava com o inglês das crianças, e eles eram bem espertinhos para a idade. Acho que crianças de imigrantes percebem cêdo que eles tem um ‘poder’ desconhecido sobre os adultos, que não sabem falar a lingua do país em que moram. A mãe da Toni era “esquisita”; eles eram Testemunhas de Jeová, e me parece que o marido da velha era ilegal e sempre viajava de navio (back and forth) para Manaus ou Belém. Mas tinha algum buchicho que ele tinha “pulado do navio” em New York... coisas desse tipo.
Por falar em “pular de navio”, não sei se você conheceu um pernambucano que era cozinheiro num navio da marinha mercante brasileira que naufragou nas costas da Africa e acabou sendo levado aos U.S. por um navio americano. Chegou em New York sem documentos ou dinheiro e o levaram ao Consulado Brasileiro. Lá encontrou brasileiros e acabou ficando na semi-legalidade. Ele não tinha documento algum, pois foi tudo para o fundo do mar e o consulado Brasileiro no Rockfeller Center nunca providenciava seus papéis. Ele queria voltar para o Brasil e não conseguia. Certa vez, bem frustrado com a demora burocrática, ele subiu até o 95º andar do citado edifício e ameaçou se jogar de lá de cima se os funcionários do Consulado não entregassem seu passaporte. Acho que no fim o passaporte acabou saindo. Ele vivia metido em confusão. Ele próprio me contou que foi preso em New Jersey pois estava mijando num canto em uma rua; e v. sabe que isso lá é crime, bem diferente daqui do Patropí. Nem me lembro como eu conheci esse cara... o nome não lembro, mas nós tivemos uma intimidade improvisada que foi muito agradável. He tried to get some action but I wasn't willing.
Damasio, como era o nome da “pasta” de vinil em Inglês? Seria ‘paste’? Eu não consigo me lembrar de jeito algum. Me lembro do Gus, que era um dos nossos bosses brancos americanos. Havia um outro branco velho tb. que sempre usava um gorrinho e consertava nossas “machines” quando elas emperravam, mas não consigo lembrar o nome dele. Lembra-se como aquelas maquinas viviam “emperrando”? Quantas vezes a gente “estourava” as “placas” e lá vinha o boss consertar o defeito. Como se chamavam in English aquelas matrizes A & B que prensavam os discos? Não consigo me lembrar...
Naquele tempo eu mal falava Inglês, mas sempre estava interessado em aprender. Me lembro que quando passei do “night shift” para o “morning shift” e conheci VOCÊ eu fiquei positivamente impressionado, pois você sabia mais Inglês do que qualquer brasileiro que eu tinha conhecido até aquele momento. Me lembro que você me disse que tinha estudado nas Escolas Fisk, que por incrível coincidência do destino seria a primeira escola que eu lecionaria dois anos mais tarde (late 1973). Me lembro de você falando sobre o Present Perfect, que eu não conseguia entender inteiramente. Na verdade, cá entre nós, o meu Inglês melhorou muito depois que eu comecei a lecionar, pois tinha que “malhar” antes de entrar em classe, com medo de cometer alguma falha. Eu praticamente decorei aquelas regras do Present Perfect (12th lesson), já que não conseguia “sentir” a coisa. Demorou para eu “engolir” (ou seria assimilar?) o tal de Present Perfect.
“No matter what” com o Badfinger é a musica que mais me lembra você então, alem de (logicamente) “If loving you is wrong I don’t want to be right”, “Everything I own” e “Baby I’m a-want you” do Bread, e “I am woman”, que você disse que sua professora comentou no curso de Inglês que v. fazia naquela High School da Laffayette Street.
Por falar em musica e discos, você se lembra que a maioria dos brasileiros enviava cupons da Columbia House, que saiam em revistas musicais do tipo ‘Hit Parade’, 'Song Hits' etc. recebendo pelo correio tipo 12 long-playings? O pessoal comprometia-se a comprar mais uma porção por um preço bem maior. A brasileirada só recebia a primeira remessa, que era bem “gorda” e nunca comprava o que tinha se comprometido a preço de ouro.
Eu consegui duas remessas dessas. Comprei tudo que queria. Aquele maravilhoso “Chicago” duplo (“Colour my world” & “Make me smile”), “CSN&Y”, Don McLean’s ‘American Pie’ (a terna “Vincent” sobre o Van Gogh), Carole King’s “Tapestry”, que até aquela época tinha sido o Album mais vendido do mundo; um lp da Barbra Streisend que ela cantava & arrasava “Mother” do John Lennon; um duplo da Joan Baez, onde ela cantava “The night they drove Old Dixie down”; ‘Deja vu’ dos Crosby, Stills, Nash & Young; ‘Harvest’ do maravilhoso Neil Young; muitos Bob Dylan; ‘Concert for Bangla Desh’, etc.
Será que a Columbia não tinha prejuízo? Provavelmente não, pois firmas capitalistas raramente fazem algo para ter prejuízo. Por falar nisso essa firma existe até hoje com aquele mesmo sistemão, só que agora é DVD e CD’s. Sem contar que a Columbia foi comprada pela Sony, que é japonesa.
Acho que você chegou a conhecer um brasileiro lá na fabrica, que queria “passar-se por português”. Acho que ele era, originalmente, de Guarulhos. Me parece que era de família portuguêsa, pois era claro e 'well-built' mas decididamente brasileiro...e como ele estava “cobiçando” um trabalho na indústria da construção civil, que era “feudo” dos portugueses, ele vivia “puxando o saco” dos 'portugas' e estava até “falando com sotaque de lá” já. Era um rapaz bem aparentado, meio aloirado. Me lembro que ele conhecia você. Você sabe o nome dele? Esse deve ter “subido na vida” igual ao Cri-Cri, que era o maior “mão-de-vaca” da paróquia. Eu acho que cada um procura seu próprio bem, da maneira que melhor achar. Não julgo ninguém! Por outro lado havia muitos brasileiros que tropeçaram na vida...muitos começavam a se associar a “mal-elementos” e entravam de sola na droga e daí, para o fundo do poço, era um passo.
Continuando na nossa fabrica de discos, não sei se você chegou a conhecer um brasileiro que trabalhava “morning shift”, como você. Ele era bem loiro, de olhos azuis, poderia passar por americano numa boa; só que o rapaz não falava quase nada de inglês; não me lembro do nome dele, mas poderia muito bem ser José-alguma-coisa, pois me parece que era tratado de “Joe”. Ele morava em Paterson, NJ e me lembro que contava que tinha uma namorada americana que ia arrumar um emprêgo melhor para ele. A namorada deve ter arrumado, pois certo dia ele sumiu. Apesar disso ele era um cara muito bacana; sempre conversava comigo lá em cima naquele vestiário, onde todos nós tínhamos nossos “lockers”; as vezes tínham que arrombar meu locker porque eu havia esquecido a combinação do cadeado; os “shifts” acabavam se encontrando no “locker-room”; enquanto eu ia p’ra casa dormir, o “morning people” começava sua jornada de 8 horas. Posteriormente eu mudei para o morning shift, acabei fazendo bobagem parar de trabalhar, e quando voltei, em Setembro 72, fui direto para o “shift” da tarde (começava as 15 horas?) fiquei até early Spring 1973.
Eu estive em Paterson algumas vezes com um brasileiro baixinho (the ladies’ man, citado anteriormente). Você chegou a conhecer lá? Era a norte de Newark, em Passaic County e havia uma certa comunidade brasileira lá. Em 1976, Bob Dylan lançou uma musica chamada “Hurricane” que falava de um boxeador negro chamado Hurricane falsamente acusado de um assassinato que aconteceu justamente em Paterson. Portanto Paterson passou de simples “figurante” para “papel principal” em musica pop. Essa era a faixa principal do LP “Desire”, que foi o album do Dylan que mais vendeu em toda sua carreira. Diziam que Paterson era melhor que Newark, mas atualmente, falando com o Carlos, que também é motorista de taxi em New Jersey, ele me disse que Paterson é “the dumps” e muito pior que Newark. Vá lá entender! E eu pensava que lá era o ‘paraíso’.
Atualmente existem vários grupos evangélicos na região de Newark e mesmo n'outras, onde existe comunidade brasileira. No Verão de 2000, assim que cheguei em Newark, vindo da Australia, eu não sabia o que fazer. Fui a várias lojas brasileiras para ver se alguém me dava alguma dica de como achar acomodação, mas fui tratado de maneira fria. Ninguém me deu informação alguma.Era um domingo de tarde, e continuei andando pela Ferry com minha mochila nas costas. De-repente um rapaz, parado numa esquina, me deu um panfleto evangélico em português e começamos a conversar. Era brasileiro. Eu contei que estava chegando naquele instante, e ele se prontificou a me ajudar. Me levou a algumas pensões e casas de portugueses ou hispanos naquelas travessas da Ferry, mas não consegui nada. Ele me deu algumas dicas de “como não cair na armadilha das más-companhias e entrar no mundo das drogas”. Deve ter sido o drama da vida dele até ter encontrado refugio numa Igreja. Se ele soubesse que eu sou “macaco velho”, velhíssimo.
Mesmo com a ajuda do rapaz evangélico eu acabei não achando acomodação em nenhum dos lugares que fui indicado. Já estava pensando em voltar para Manhattan quando ‘tirei na sorte grande’. Entrei numa loja brasileira chamada “Vem Q Tem”, na Polk Street – rua transversal da Ferry, já perto da St. Stephen, e lá acabei fazendo amizade com o rapaz do balcão, um brazuca da minha idade, chamado Carlos. Ele é antigo na região, embora não tão antigo quanto nós. Depois ele me disse que nasceu em 1959, portanto 10 anos mais novo que eu. Ele chegou na região em 1979, 8 anos depois de mim e você.
Depois do final do expediente de domingo, Carlos fechou a loja e eu fui com ele até onde ele mora, na New York Avenue. Ele falou com a Nelly (nome real: Rubmela), a velha chilena, e de pronto ela já me alugou um quarto contíguo ao dela e seu namorado Gordon, o qual ela chama de ‘Gordo’. Fiquei muito contente de estar novamente no seio de Newark, cidade na qual eu fui muito feliz no auge da minha juventude. Eu acho que nós vivemos muito bem a nossa juventude, com essa mania de ir viver no exterior. Acho que foi um experiência que nos enriqueceu interiormente. Nossa vida teria sido bem menos interessantes se nunca tivéssemos tentado a sorte nos U.S.A.
A partir da segunda-feira eu ja delineei minha rotina em Newark-2000; descia a Ferry Street diáriamente com um sorriso nos lábios novamente. Ia à Newark Public Library, onde podia usar computador gratuítamente, ou então pegava o PATH p'ra ir à Manhattan, onde andava até não poder mais. Pude virar Manhattan de cabeça para baixo. New York é uma cidade fascinante, e eu me esbaldei durante as várias semanas desse maravilhoso verão 2000. Minha grande decepção foi encontrar a rua 42 (42nd Street) totalmente descaracterizada... o coração doeu quando eu não encontrei aquele lugar que nós tanto amávamos nos anos 70s.
Em Newark, ou melhor, no Ironbound, eu notei que há muitas lojas para se fazer “telefonemas internacionais”. Geralmente são lojas com varias cabinas, onde v. entra e seus telefonemas são cronometrados por um computador monitorado por um empregado hispano. A loja que eu mais usava era de um pessoal equatoriano e tinha umas 15 cabinas. Você entra na cabina, a menina dá uma linha ligada a um computador, você liga e depois vai ver quanto custou. Funciona direitinho e é bem barato, comparando-se com o “nosso tempo”.
Alem desse serviço há dezenas de “cartões telefônicos internacionais” a venda em qualquer banca ou loja. É cartão de plástico igual aos nossos cartões telefônicos, onde você “scratch” um certo lugar e aparece um numero, como nas “raspadinhas”. Você liga e pode falar um determinado tempo, que geralmente é de 1 hora. Os cartões custam de 5 a 10 dólares e são de qualidade variada. Uns só dá para usar uma vez. Outros você vai usando em várias ligações até usar o tempo estipulado nele.
É interessante como o norte-americano é conservador em seus hábitos. Você bem sabe que eles nunca se adaptaram ao Sistema Decimal. Pois até hoje usam as chamadas “medidas Imperiais”: milhas, pés, jardas, libras, pintas, quartos, acres, etc. Por mais que tentem, não conseguem mudar o hábito desse povo. Pois até hoje ainda usam moedas para telefonar nos ‘pay-phones’. Ainda não existe cartão telefônico como no resto do mundo. Os Estados Unidos são tão adiantados em certos aspectos e tão atrasados em outros.
Eu pretendia ficar um certo tempo por lá, mas depois de algumas semanas tive que voltar para São Paulo, pois minha Mãe não estava passando bem, mas graças a Deus, só foi um susto e ela está bem.
Depois de ter voltado a São Paulo é que fiquei sabendo que um amigo meu, chamado Marcelo, que por coincidência é de Guarulhos, foi “tentar a vida” nos Estados Unidos e fixou residência em Massachusetts. Ele me telefonou certo dia e disse que tinha emprego para mim lá; que eu tomasse um avião imediatamente. Não pensei duas vezes, apesar de já ser Outubro... você sabe como é Outono-Inverno por lá. De New York tomei um ônibus para Boston (dá umas 4 horas) e de lá ainda peguei um trem em direção ao sul, que demora 1 hora até Plymouth, uma cidadezinha na costa, perto do que eles chamam de Cape Cod. Plymouth é a cidade mais antiga dos Estados Unidos; foi lá que o navio Mayflower aportou em 1622.
Sempre tive vontade de conhecer Boston; desde 1972, pois havia conhecido brasileiros em Newark que tinham fugido da Imigração de lá, e falavam muito bem de onde tinham vindo. Na verdade MA é onde o salário é o mais alto; bem melhor que NY e NJ. Acabei indo trabalhar num Kmart local, de “repositor” noturno. Foi muito interessante pois foi aí que eu conheci a nova Geração de Brasileiros, pois trabalhava com uns 20 deles. E fiquei chocado, pois o nível cultural é baixíssimo comparando-se com a “nossa época”, que cá entre nós, já não era lá essas coisas... mas, believe it or not, a coisa piorou... ou seja, o ruim conseguiu pior. Mas isso só vem a refletir a própria situação social do nosso país chamado Brasil. Estamos vivendo um horror de difícil descrição. Um horror sem fim, que começou com o Golpe Militar de 1964 e desembocou no que nós conhecemos hoje!
Na verdade, se eu estivesse “matando cachorro à grito” daria para ficar por lá e até fazer um “pé de meia”, pois há muita demanda para “professores de Inglês” na comunidade brasileira, que é grande em qualquer cidade media Americana. Brasileiros estão diversificando geográficamente, indo para lugares como Atlanta, na Georgia e outros que não me lembro no momento. O preço por hora-aula na região lá era de 10 ou 15 dólares por aluno. Nunca se dá aula para um aluno somente; geralmente são grupinhos de 4 a 6, portanto daria mais de 50 dolares por hora-aula. Dá para se viver disso por lá, pois há muita gente necessitando dos mais rudimentares ensinamentos. Para você ter idéia, eu gastava mais tempo explicando a Língua Portuguesa do que o Inglês propriamente dito. As pessoas não tem a mínima noção do que é uma Língua; elas sabem “falar” Português, mas é automático; nunca pararam para pensar em sintaxe, morfologia, etc. Não estou falando de nomenclatura, que na verdade não é importante, mas do conceito em si. Apesar de tudo eu achei um pessoal simpático, uma gente muito explorada por todos os lados. Uma grande parte dessa gente gasta uma base de US$ 10,000 (dez mil dólares) para entrarem nos U.S. e passam entre dois ou mais anos pagando esse dinheiro. Uma exploração horrível. Eles vem pelo México e muitos até morrem por lá mesmo, de bala ou de sede, pois tem que atravessar um deserto grande. Eu ouvi cada história de arrepiar os cabelos; o resto você lê na imprensa local.
“To cut a long story short” eu trabalhei nesse Kmart até inícios de Dezembro 2000, quando fui sumariamente “laid off” devido a corte nos gastos da companhia, pois começava “right there and then” a nova recessão norte-americana. Puxa, os executivos acompanham o mercado financeiro diariamente. Daí eu tomei um ônibus e fui para Newark, mas não gostei do que vi. Primeiro porque estava muito frio. Imagina em 15 de Dezembro você saindo para procurar emprego com neve e gelo lá fora! Quem tinha que contratar para o Natal (Xmas) já o tinha feito e alem do mais estava começando aí uma recessão. Alem do mais eu fui morar num lugar ruim (num 'cellar' com drogas e violência). Não pensei duas vezes e vim embora para o Brasil. Alem do mais eu não queria “estourar” meu visto.
Já em Maio de 2001, eu resolvi voltar mais uma vez a Plymouth, MA e fui trabalhar no Sheraton Hotel local. Trabalho meio pesado, de preparar salões para convenções, montar mesas e cadeiras, “sarapiar” (set up) mesas, vacumar (passar aspirador) o flór (chão), etc. Mas foi interessante, pois meu colega de trabalho veio a ser um judeu brasileiro chamado Paulo Besser, que vive nos U.S. desde 1969. Paulo teve uma vida que da para escrever um livro de aventuras: foi da guerrilha urbana contra os Milicos no final dos anos ’60 e fugiu para não ser morto pela Repressão, tendo ido para o Canadá e depois US. Imagina que ele assistiu ao Woodstock original. Foi muito legal ter trabalhado com esse cara; a gente trabalhava e conversava sem parar. Alem do mais ele é muito musical também, toca guitarra e tudo. Gosta do Dylan, até assistimos o “Don’t look back” de 1966, em DVD (documentário sobre famosa tournèe de Bob Dylan & Joan Baez na Inglaterra). Ele me deu uma guitarra acústica Canadense que estava meio defeituosa, eu mandei arrumar e está maravilhosa. Ele tem uma boa casa à beira mar, tem um Mercedes, tem um SUV (Sports Utility Vehical) da ultima moda... enfim, o cara tem grana, mas trabalha feito um desgraçado! Não sei p’ra que? As pessoas parecem que entram de cabeça naquele sistemão americano de só trabalhar... não dá para entender! O australiano, apesar me menos rico, vive bem melhor que americano. Posso te dizer de experiência própria. Tem algo nos Estados Unidos fundamentalmente errado. Não sei bem o que é! Em vez de andarem para frente eles regridem. Veja a pena de morte foi re-instalada. Acabei de ler na Inglesa “The Economist” que a população carcerária nos EUA é a maior do mundo e está crescendo. Algo está decididamente podre no “Reino da Dinamarca”, parafraseando nosso “nobre colega” Billy Shakaspeare!
Eu podia ter ficado mais tempo, mas não quis “estourar” minha estadia, porisso voltei no dia 10 Julho 2001. Dois meses depois estouraram as Twin Towers do WTC. Nesse ano de 2002 eu pretendia ter voltado para o Verão, mas pensei bem e resolvi “deixar as barbas de molho”. O “seguro morreu de velho”, como diz aquele velho ditado. Quem me garante que eu não vou ser parado lá e confundido com árabe e ser preso incomunicado? Quando eu estive na Europa em 1991, imigrantes árabes se dirigiam a mim já falando em árabe, portanto eu cheguei a conclusão que eu “passo por árabe” facilmente, o que não é muito “bom p’ra saúde” nos Estados Unidos dos dias de hoje, concordas? É interessante que no dia que eu tomei o avião para vir p’ra cá eu cheguei no JFK bem cedo... cedo mesmo. Saí da Penn Station de Newark um pouco depois do meio-dia. Tomei o PATH até o WTC (imagina você), pois lá passa o A Train (8th Avenue Express)...até me lembrei daquela musica do Duke Ellington “Take the A Train”... um trem que vai até Howard Beach/JFK Airport. Tinha que embarcar as 20:00 horas e cheguei para o “check-in” as 15:00. Sou pior que Mineiro. Fiquei vagando pelo aeroporto. Estava um dia de verão de sol, mas não muito quente. A poluição do ar, que em NY pode ser horrível estava mínima. Lá de Queens, onde fica o JFK, dava para se ver com perfeição a ilha de Manhattan lá no fundo. E eu, sentado confortavelmente numa poltrona, ouvindo as radios FM locais num walk-man, olhava a “Manhattan skyline”, dando ênfase aos dois marcos maiores da cidade: as torres do World Trade Center em downtown e o Empire State Building em midtown. Daí já passavam das 8 da noite e como nosso avião da JAL, que vinha de Tokyo para São Paulo, estava atrasado, os passageiros continuavam na sala de espera. Eu estava gostando pois adoro ver o por do sol, principalmente aqueles bem vermelhos... e olhar para Manhattan, tendo a Oeste o sol flamejante atrás das Torres e do Empire State, foi uma visão muito bonita; nunca imaginei que esta seria a ultima vez que eu veria tal cena. Na manhã do dia 9 de Setembro de 2001 eu estava aqui em casa quando meu irmão, escutando o radio, disse que havia “pegado fogo” num edifício em Nova York. Eu corri e liguei na TV Globo e o Carlos Nascimento estava cobrindo o “fogo”; logo em seguida o segundo avião atravessou a 2ª torre... bem, o resto não precisa contar.
Bem, Damasio, acho que vou ficando por aqui, pois isso já está se tornando uma “short story”. Eu quis escrever para você para, 1º saber como você, Francisca e meninos estão, e 2º para que você me escreva contando fatos relevantes à sua vida daquele tempo, pois pretendo escrever mais sobre nosso tempo como Imigrante nos anos 70s, pois tenho certeza que é um assunto que interessa aos leitores Brazucas. Você precisa de ver como o Carlos ficou interessado nas minhas histórias. E olha que ele já é um “veterano”, imagine os outros que chegaram por lá na década de 90 ou mesmo no Seculo XXI. Você teria pique de escrever-me contando suas peripécias daquele tempo? Não precisa usar os nomes verdadeiros das pessoas, se forem fatos que comprometam pessoas vivas. Parece que o pessoal gosta muito de saber sobre o antigo Brazilian Jersey Club. Você freqüentou esse Clube? Daria para falar algo sobre ele? Você, se não me engano, até jogou futebol com eles, certo? A sede do clube ficava na Ferry Street. Você se lembra exatamente onde? Me lembro que uma vez fui com você até um local que você morava, e era uma travessa da Ferry Street lá em baixo mais próxima da Penn Station. Você se lembra dessa rua? Você morava num quarto lá. Lembra que subindo a Ferry a partir da estação tinha Union St., Prospect St., Congress St., Jefferson St., Madison St., etc. Seria numa dessas.
Damasio, se você tiver acesso à Internet, entre em mapquest.com e digite Newark, NJ que você tem o mapa da cidade em fotografia! Daí da para se ter uma idéia exata dos lugares procurados. Também sempre entro no site da “music radio WABC” que é um barato. Parece que a gente volta para os anos 60 e 70 num segundo. Se v. tiver chance, entre e depois me diga. Bem, caro amigo, por aqui vou ficando, esperando uma resposta sua num futuro próximo. Não se sinta obrigado a escrever sobre o passado. Escreva apenas se você sentir vontade. Mas independente disso, por favor, diga um “alô” para eu saber que tudo está bem contigo, e que você recebeu minha missiva. Meu e-address é: mcarlus@hotmail.com
LICIA
Tinha sua agência de viagem, constituída de apenas uma sala num 3º andar de um edifício da rua Brigadeiro Tobias, nas cercanias de Estação da Luz. O endereço dela fora me fornecido por Bernardo Cerântola, amigo do Fernando, meu irmão. Bernardo tinha ido para os Estados Unidos em 1970, e estando de volta, contava coisas interessantes de lá, que o Fernando acabou me contando.
Corria o ano de 1971, ou final de 1970, e minha intenção determinada de viajar, e se possivel morar nos USA era grande. Não me lembro se pedi ao Fernando que se informasse com o Bernardo como se fazia para tal, mas, um dia ele apareceu em casa com o sonhado endereço. Bernardo eu conhecera em 1961, pois ambos cursávamos a 1ª série ginasial no Ginásio de Vila Madalena, na Rua Morás, embora eu não pudesse considerá-lo amigo pois nunca interagimos. Bernardo tinha ído para os EUA junto com um amigo, e ambos voltaram juntos também. Não sabia muito mais que isso.
Entrei no escritório dela e falei que era conhecido do Bernardo, e gostaria de ir p’ros U.S.A. também. Ela foi muito simpática comigo e já delineou em papel todos os procedimentos que eu teria que seguir para tirar passaporte, comprar passagem, conseguir um visto de turista no consulado americano, etc. Saí de lá meio que exultante, pois senti, pela primeira vez, que o velho sonho de conhecer Nova York, ‘capital do mundo’ estava se tornando cada vez mais possivel.
Licia, que sempre foi muito esperta, estudou meu caso direito, e viu uma forte possibilidade de conseguir um visto de entrada, que sempre foi a parte mais difícil. Eu trabalhava na AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), e meu salário não era dos piores. Já ia completar um ano que lá trabalhava, e seria o momento exato de eu requerer um visto de turista do consulado, com o intuito de ir lá gozar merecidas férias. Eu já tinha uma certa quantia economizada, e completaria o que faltasse nos próximos mêses.
O pessoal da AASP, as vezes, zombavam de mim, pois eu sempre usava o mesmo blusão preto, que as vezes eu virava do avêsso para usar o lado vermelho. Não gastava com roupas ou quaisquer produtos supérfluos, pois meu objetivo principal era NYC.
Quando estava chegando o tempo certo, isso é, a época que eu já tinha economizado o suficiente, eu pedi à Yvone Biolcatti, minha chefe e secretária-executiva da AASP,que pedisse ao dr. Antonio Carlos Malheiros, conselheiro daquela associação, que fizesse uma carta endereçada ao Consulado Americano dizendo que o funcionário X ia aos EEUU em gozo de merecidas férias anuais. Foram as instruções que recebi de Licia. Ele me chamou na sala da diretoria, eu expliquei a situação, e ele, gentilmente assinou a carta, que eu levei à Licia, na Brigadeiro Tobias.
Licia enviou toda a papelada ao Consulado e lá resolveram que iriam me entrevistar. Licia não deixou transparecer se tal procedimento era bom ou ruim. Ela apenas me instruiu sobre a questão de eu insistir na minha condição de turista interessado sobre-maneira na história e atrativos daquele país. Me dirigi ao Conjunto Nacional, na Av. Paulista, para a entrevista. Fui entrevistado pelo próprio vice-consul. Ele fumava um cachimbo, e perguntou se poderia falar comigo em inglês. Eu respondi afirmativamente, embora fosse responder em português. Ele me pareceu devéras simpático, estando na casa dos 30 anos. Perguntou-me sobre os pontos de lá que me interessavam, e eu acho que fui convincente em minha admiração por país tão empreendedor e desenvolvido. Notei que ele sentiu-se orgulhoso de seu país, e eu me senti orgulhoso de minha astúcia e artimanha. No final, pediu que eu esperasse a resposta lá fora, e 5 minutos depois, uma funcionária devolveu-me o passaporte com a afirmativa de que o visto tinha saído. Hallelluya!!!
Meus sonhos estavam cada vez mais perto de se realizarem. Saí dalí parecendo que andava nas nuvens e caminhando direto para a Avenida Angélica para falar para meu Pai que tinha conseguido o maior trunfo de todos: autorização para ir p’ros Estados Unidos. Tudo girava em torno da obtenção deste visto para se dar início ao processo de financiamento da passagem aérea da Varig, que seria expedida no nome de João Amorim e avalizada pelo dr. Jorge Kulassarian, médico-ortopedista da Clínica de Fraturas Angélica, onde meu Pai trabalhava desde 1961. Acho que meu Pai se alegrou também, pois ele sempre incentivara empreitadas não-ortodóxas, desde minha escolha em me tornar padre, quando tinha 9 anos, como essa outra, tresloucada, de ir tentar a vida em New York.
Eu não tinha falado nada p’ro Nino ainda. Nino sempre passava pelo Largo de São Francisco, onde eu trabalhava no 13º andar da Associação dos Advogados de São Paulo, para perambularmos pelo centro ou comermos em algum lugar. Eu não tinha deixado transparecer nada sobre toda minha transação com a Lícia, pois achava o Nino muito negativo. Nós já tínhamos planejado ir p’ros EEUU várias vêzes, mas nada saía disso. Quando soube da Licia eu não disse nada a ele, pois ele, fatalmente iria ‘desconversar’, ou achar algum impecilho. Mesmo depois de ter conseguido o visto eu fiquei calado. Agora era só finalizar o financiamento da passagem, marcar o dia do embarque e ir embora.